Graças a avanços da medicina e da tecnologia, as pessoas estão vivendo mais em todo o mundo.
O fenômeno, que merece ser comemorado como conquista da humanidade, traz também grandes desafios. Somado à redução dos índices de natalidade, acaba desencadeando o envelhecimento das populações, isto é, o crescimento da participação de pessoas com 60 anos ou mais na população total. Em 2030, o número de brasileiros idosos deve chegar a 41,5 milhões, maior do que o de crianças e adolescentes, que deve ficar em 39,2 milhões, segundo projeção do IBGE. Essa inversão da pirâmide demográfica tende a causar profundos impactos na estrutura social e econômica do país, criando um cenário que desafia governo, empresas e cidadãos.
Conforme projeção da ONU, o total de pessoas nessa faixa etária no mundo deve mais do que dobrar até 2050, passando de 962,3 milhões de pessoas, em 2017, para 2,08 bilhões. No Brasil, assim como em toda a América Latina e Caribe, o processo vem ocorrendo de forma mais rápida e mais intensa do que o projetado anos atrás. A expectativa de vida dos brasileiros ao nascer
aumentou de 45,5 anos, em 1940, para 75,8 anos em 2016. A população idosa brasileira passou de 9,7%, em 2004, para 14,4% do total em 2017, chegando a 29,37 milhões, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE. Até 2060, conforme projeção do órgão de estatísticas, o número de idosos deve representar 33,7% da população. Já o grupo com até
14 anos, que em 2010 representava 25,5% da população, cairá para 4,07% do total.
Na saúde, o principal efeito do envelhecimento da população é a maior incidência de doenças crônicas, como hipertensão, artrites, doenças do coração, diabetes e depressão. “O impacto é muito grande, o idoso é muito caro”, diz a geriatra Maisa Kairalla, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Seção SP (SBGG-SP).
Segundo ela, as pessoas no Brasil envelhecem com oito a dez doenças crônicas, utilizam mais vezes e por mais tempo a internação hospitalar, que é o mais alto dos custos com saúde. Aumentam também custos indiretos, como com curativos, acompanhante, fisioterapeutas, nutricionista e alimentação específica. “O plano de saúde para essa faixa da população é mais caro por
isso”, diz Maisa Kairalla.
Para a geriatra, é preciso agir mais rapidamente, com prevenção e conscientização. “A longevidade é um grande ganho, mas o país precisa saber educar para um envelhecimento saudável, com menos infarto, artrose, Alzheimer, mais qualidade de vida e, principalmente, com independência”, afirma. A seu ver, o Brasil precisa fazer mudanças estruturais na política e na economia para conseguir um melhor cenário de cuidados para os mais velhos “Está acontecendo uma revolução. Em pouco tempo está mudando tudo na sociedade, com impactos sociais, culturais, na saúde, previdência e assistência social”, diz o médico Alexandre Kalache, presidente do Instituto de Longevidade Brasil. Boa parte da população idosa, observa, está vivendo com patologias múltiplas e incapacidade funcional. “Isso tem um custo pessoal e também social, porque alguém tem que pagar a conta”, afirma.
Para Kalache, o Brasil perdeu novamente a oportunidade de se preparar para reduzir esse custo social, com uma reforma da previdência, que deveria ter sido feita duas a três décadas atrás.
O rápido processo de envelhecimento começa a produzir impactos na Previdência. À medida que aumenta a participação de idosos entre os brasileiros, cresce também a participação dos beneficiários de aposentadoria e pensão, que passou de 8,2%, em 1992, para 14,2% da população, em 2015, conforme estudo de Rogério Nagamine Costanzi, coordenador de Estudos e Pesquisas em Seguridade Social do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “O impacto mais imediato é uma grande pressão sobre a despesa da Previdência”, diz o pesquisador. Até 2060, ela pode chegar a 20% do PIB, segundo estimativas.
Com a queda de nascimentos, que ocorre ao mesmo tempo, vai chegar um momento, diz Costanzi, em que haverá redução no número de contribuintes, o que resultará em maior pressão sobre a Previdência. Hoje, há duas pessoas contribuindo para um beneficiário de aposentadoria ou pensão. Mas a tendência, em um cenário sem reforma, segundo o pesquisador, é de que essa relação caia para 1 por 1 na década de 2040.
Mas não são apenas aspectos negativos que marcam essa transformação. Para a camada da população ainda saudável, que teve acesso ao estudo e conta com renda razoável, é a fase que lhes permite desfrutar de mais tempo e recursos para viajar e dispor de serviços e produtos mais sofisticados. “É a ‘silver economy’, girando cada vez mais em torno de uma população que sobreviveu a tantos percalços, como hiperinflação e o Plano Collor, e teve tempo para acumular”, define o gerontólogo Alexandre Kalache.
Os avanços da ciência e da genética também produziram o efeito de retardar o envelhecimento físico e mental, a ponto de muitos continuarem dispostos a prosseguir a carreira. Mas nesse ponto esbarram em estereótipos e preconceito do mercado de trabalho. “As empresas estão procurando trabalhar mais com diversidade e inclusão de gênero, raça, opção sexual e outros grupos, mas não têm explorado a força de trabalho mais longeva”, diz Ana Laura Andrade, da Mercer. Estudo da consultoria em 11 países, incluindo o Brasil, mostra que mais de dois terços dos adultos esperam continuar trabalhando ou nunca se aposentar.
Já a PwC resolveu apostar em talentos mais velhos. “É mais inteligente deixar de disputar os talentos mais jovens e olhar para os acima de 50 anos”, diz Erika Braga, diretora de RH da empresa. A PwC contratou, em fevereiro, seis profissionais dessa faixa etária para um projeto piloto na área de consultoria tributária, batizado de “senior citizens”. A ideia é expandir a iniciativa para
outras áreas do negócio. “Eles trazem a experiência profissional adquirida ao longo da vida, são mais comprometidos e engajados e assumem o papel de liderança nas equipes, por causa da maturidade, mesmo não ocupando essa função”, diz Erika Braga.
Fonte: Valor Econômico