Grupo Bittencourt
Grupo Bittencourt

5 lições para o Brasil, do melhor país do mundo para abrir um negócio

A Nova Zelândia apostou em poucas burocracias e um ecossistema empreendedor para a vida toda como forma de aumentar sua densidade de startups

Distante das potências econômicas e com menos de 5 milhões de habitantes, a Nova Zelândia teve de se abrir para o mundo e investir em inovação para ganhar relevância comercial.
Os últimos dois anos comprovaram o sucesso dessa abordagem. O país é bicampeão do ranking Doing Business, elaborado pelo Banco Mundial para medir o ambiente de negócios em 190 países, e acumula exemplos em termos de legislação e densidade de startups.
Enquanto isso, o Brasil está na 125ª posição da mesma lista e seu ecossistema de startups tem potencial para se desenvolver muito mais (apesar de já ter avançado bastante, com o surgimento de unicórnios nacionais).
Algumas políticas neozelandesas podem servir de inspiração para que o Brasil suba nos rankings, tenha mais interessados em empreender e invista em áreas promissoras com negócios sólidos. Veja cinco lições do melhor país para abrir um negócio no mundo:

Auckland1 — Desburocratizar empresas e impostos

Cerca de 97% das empresas na Nova Zelândia são pequenas e médias, número similar ao do Brasil, onde essa proporção é de 98,5%.
Há várias razões para a “terra da grande nuvem branca”, como é conhecido o país da Oceania, ser o melhor lugar do mundo para abrir um negócio. Segundo o Banco Mundial, o país possui o menor número de procedimentos necessários para a criação de uma empresa e o menor tempo necessário para cumpri-los: 12 horas.
Empreendedores ouvidos por EXAME afirmaram que o processo de registro da empresa é totalmente virtual e leva ainda menos tempo — de duas a três horas. “Você pode registrar sua empresa online em poucas horas e operar em alguns dias. Tudo é extremamente transparente e sem burocracia. É difícil ter um processo mais fácil”, afirma o estudante de doutorado e empreendedor Matheus Vargas.
Rafael Ribeiro, diretor da ABStartups, afirma que o grande problema não é abrir uma empresa no Brasil – processo que, ao menos na cidade de São Paulo, leva até sete dias. “A grande dificuldade está em fechar empresas, e o governo está se movimentando para desburocratizar essa ação”, defende.
A Nova Zelândia também simplificou a forma de pagar impostos ao melhorar seu site para declarar e pagar impostos e taxas, afirma o Banco Mundial. Além disso, todos os negócios na Nova Zelândia pagam a mesma taxa de 28% sobre os lucros, similar ao nosso Imposto Sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ). Praticamente todos os produtos e serviço possuem ainda uma taxa adicional, chamada Goods and Services Tax (GST), de 15%. Todos os anos, os empreendedores submetem sua declaração de ganhos para a restituição de impostos, o que pode incluir a GST sobre os produtos que compraram.
Em uma nota de zero a 100, a Nova Zelândia conseguiu pontuação 91,08 em “pagamento de impostos”. O país é destaque ainda em categorias mais específicas, como registro de propriedades, obtenção de crédito e tempo de importação de produtos.
Mesmo assim, a Nova Zelândia não está livre de críticas, na visão de Stefan Korn, diretor da incubadora neozelandesa Creative HQ, localizada em Wellington. Os impostos referentes ao primeiro ano de atividade das startups têm seu pagamento postergado para o segundo ano fiscal, como medida de incentivo. Porém, muitos empreendedores não se preparam e várias empresas passam por dificuldades financeiras ao atingir 24 meses de vida.
“Para prevenir uma dupla marretada, somos muito criteriosos no nosso processo seletivo de negócios inovadores. Exigimos que o empreendedor tenha uma reserva financeira para sobreviver 12 ou 18 meses sem nenhum retorno, por exemplo. Sem esse colchão financeiro, os fundadores acabam precisando de um emprego e se desviam da proposta de fazer sua startup crescer.”
Enquanto isso, o Brasil possui uma salada de impostos, que podem ir do IRPJ (Imposto de Renda de Pessoa Jurídica) ao ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviço), IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e ISS (Imposto Sobre Serviços de qualquer natureza).
O sistema brasileiro que mais se assemelha ao neozelandês é o Simples Nacional, que unifica os pagamentos dos empreendedores em uma declaração única. Muitas startups “burlam” a burocracia e participam do Simples Nacional ao se cadastrarem como microempreendedores individuais (MEIs). Porém, apenas empresas que faturam até 4,8 milhões de reais no ano podem aderir a esse sistema.

2 — Criar um caminho para empreender e trabalhar em startups

A Nova Zelândia possui cerca de 500 startups, de acordo com a pesquisa Startup Genome. Enquanto isso, segundo estimativas da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), o Brasil possui 4.200 startups.
Pode parecer que o ecossistema brasileiro de startups é bem mais desenvolvido. Porém, é preciso levar em consideração o tamanho das populações. Enquanto a Nova Zelândia apresenta densidade de uma startup a cada 9.483 habitantes, no Brasil há um negócio inovador a cada 50.136 pessoas.
Um primeiro ponto que pode explicar tanta criação de startups é o fomento do empreendedorismo desde cedo na Nova Zelândia. Há diversas iniciativas para crianças e adolescentes, sendo que a mais conhecida é o YES (The Lion Foundation Young Enterprise Scheme).
Uma em cada quatro escolas do país adotam o programa, voltado principalmente para alunos dos três últimos anos da educação secundária neozelandesa. De fevereiro a dezembro de um ano letivo, alunos de 15 a 17 anos de idade passam por desafios como se dividir em equipes, definir cargos, pensar em ideias de negócio, verificar a demanda de mercado, elaborar uma estratégia de marketing, tentar vender o produto e apresentar a ideia para seleções regionais e nacionais.
Os professores das escolas neozelandesas dividem espaço com tutores do YES, que oferecem aulas focadas na reunião dos grupos e na solução de dúvidas específicas. O programa também faz a ponte com empresas e especialistas para workshops, mentorias e parcerias empresariais. Os alunos possuem isenção de impostos e ganham licenças de softwares financeiros, mas devem abrir uma conta bancária e precisam fazer uma declaração de ganhos da sua empresa ao final do programa.
Também há caminhos para empreender durante o curso superior. A Universidade de Auckland, por exemplo, foi eleita pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) como uma das cinco instituições líderes no fomento do empreendedorismo no mundo. As pesquisas se transformam em patentes e negócios rentáveis há cerca de 30 anos, por meio da empresa UniServices. Tais estudos podem receber aportes por meio do Inventors Fund.
Em 2016, a Universidade de Auckland criou um Centro para a Inovação e o Empreendedorismo, focado em iniciativas de negócio para além da pesquisa. Alunos, funcionários e docentes aspirantes a empreendedores podem se reunir no recém-inaugurado espaço Unleash e criar empreendimentos em conjunto usando um laboratório coletivo, por exemplo. Projetos que virarem ideias mais sólidas podem participar de programas de aceleração, como o Velocity.
“O mundo está mudando rapidamente e nós não fingimos saber como ele será. Mas sabemos quais habilidades precisamos desenvolver”, afirma Vasso Koutos, responsável pela comunicação e marketing do Centro para Inovação e Empreendedorismo. “Nosso objetivo com todas essas iniciativas é aumentar o engajamento tanto de pessoas que querem abrir seus próprios negócios quanto daquelas que querem ser funcionárias e funcionários relevantes em alguma organização.”
Os apaixonados pelo mundo do empreendedorismo podem seguir para entidades focadas, como aceleradoras e incubadoras. Uma das organizações mais relevantes nesse sentido é a Creative HQ. Mais de 200 startups passaram pelos programas da instituição, desde o Venture Up (aceleração de quatro semanas para jovens de 16 a 24 anos de idade) até o Kiwibank FinTech Accelerator (aceleração para fintechs feita em parceria com o grande banco neozelandês).
Enquanto isso, as universidades brasileiras ainda pecam em preparar seus estudantes para empreender ou para trabalharem em startups. “As startups começam a crescer, mas vão precisar parar porque as universidades não formam profissionais com as competências exigidas, como customer experience. Conheço vagas que demoraram cinco meses para serem preenchidas, e isso em startups já estabelecidas no mercado”, conta Ribeiro, da ABStartups.

3 — Declarar a independência de recursos do governo

Na equação neozelandesa contemporânea para criar negócios realmente sustentáveis, tornou-se fundamental ser independente de bolsas e financiamentos governamentais. Cobrir toda a lacuna de investimentos para startups na Nova Zelândia com dinheiro público seria inviável, afirma Korn, da Creative HQ.
“Nós quase desencorajamos as startups a se inscreverem para esses editais. Se seu negócio só consegue sobreviver por meio de financiamentos, não é um bom sinal. Sua proposta de valor deve ser forte o suficiente para conseguir dinheiro de fundos de investimento ou, melhor ainda, de seus consumidores.”
Esse posicionamento vale para a própria Creative HQ, criada em 2003 pelo conselho da cidade de Wellington. Com dez anos de vida, a incubadora recebeu a notícia de que aportes governamentais seriam enxugados e ela teria de diversificar suas receitas. Antigamente, o investimento da Agência de Desenvolvimento Regional de Wellington compunha 95% do orçamento da Creative HQ. Hoje, esse mesmo valor é de 15%.
“Nós aprendemos como inovar sem dinheiro no mesmo tempo que nossas startups. Há quatro anos, começamos a oferecer serviços de inovação às empresas. Hoje, isso já representa 70% dos nossos ganhos. Agora, podemos fazer muito mais dinheiro que antes e incentivar ainda mais negócios.”

4 — Apostar em setores óbvios…

O diretor da incubadora neozelandesa cita alguns dos setores quentes para as startups de lá. Um deles também é promissor no Brasil: o agronegócio.
A Nova Zelândia é um dos maiores ecossistemas para a inovação na área, junto com as cidades de Amsterdam (Holanda), Boston (Estados Unidos) e o Vale do Silício (Estados Unidos), de acordo com o Startup Genome. Mesmo assim, Korn acredita que o agronegócio neozelandês poderia ser muito mais.
“A Nova Zelândia tem uma expertise em agricultura e deveria ter mais startups nesse sentido. Mas é uma indústria tradicional. As corporações e fazendeiros não são conhecidos por serem inovadores. Felizmente, acho que isso está mudando”, afirma Korn. A maior empresa do país, a produtora de laticínios Fonterra, já desenhou um programa de inovação com a Creative HQ e fará visitas ao Brasil, segundo o diretor.
A reclamação sobre o setor é ecoada por Ribeiro, da ABStartups. “A agricultura e o agronegócio são os grandes responsáveis pelo nosso PIB [Produto Interno Bruto]. Mas ainda há dificuldade em falar com o agricultor sobre tecnologia. Há muita oportunidade, mas pouca penetração. Mas vemos algumas iniciativas para startups vindas de gigantes, como a Monsanto.”

5 — … E explorar oportunidades pelo exemplo

Outro setor que a Nova Zelândia aproveita bem é o de govtechs: startups focadas em trazer inovação às instituições públicas. O país foi eleito o menos corrupto do mundo pela organização Transparência Internacional e várias startups se aproveitam do fato para exportar soluções de sucesso. Wellington, onde está a Creative HQ, é a capital da Nova Zelândia e também a área mais quente para negócios do tipo.
O hub para govtechs BrazilLAB elenca 26 startups do tipo em seu portfólio e há um programa do governo de São Paulo dedicado a esses empreendimentos, chamado PitchGov. Mesmo assim, diante do tamanho dos obstáculos que o governo brasileiro ainda possui para ter eficiência e transparência, uma visita de inspiração à Nova Zelândia poderia estimular ainda mais a inovação na área.
Fonte: Exame PME