Com estratégia para reduzir custos de frete, startup credencia pequenos comércios ou redes de lojas para receber produtos comprados online
O varejo online pode até ser o futuro, mas funciona muito melhor em lugares menos comprometidos com o passado. A Índia é um exemplo limite. Para ganhar terreno no país, conhecido pela infraestrutura precária, grandes varejistas como a americana Amazon e a local Flipkart fecharam parcerias com as pequenas lojas de bairro, as kiranas, que vendem um pouco de tudo. Elas foram transformadas em pontos de retirada dos produtos comprados na internet. A questão melhorou a logística final da entrega, ajudou os pequenos negócios a sobreviver e agradou o governo, que temia pela extinção das Kiranas e falava em fortes regulações.
Em termos de infraestrutura, o Brasil está mais para a Índia do que para a Bélgica. Na tentativa de integrar melhor a cadeia logística e reduzir custos de varejistas e transportadoras, o empresário João Cristofolini fundou no final de 2016, com Ismael Costa e Daniel Frantz, a startup Pegaki. O nome é infame, mas o objetivo é nobre: criar uma rede de pontos de retirada de mercadorias, eliminando assim uma das grandes deficiências do varejo eletrônico no país.
A Pegaki credencia pequenos comércios ou redes de lojas a receber produtos comprados online. A ideia, que já existe na Europa e nos Estados Unidos há décadas, chega ao Brasil para tentar melhorar a experiência de compra para todos os envolvidos. O usuário teria custos de frete reduzidos e não mais precisaria ter alguém em casa para receber o produto; as transportadoras cortam seus custos; os varejistas reduzem a complicação logística e podem oferecer produtos por preços menores; os lojistas e comerciantes ganham maior volume de pessoas e divulgação.
Segundo João Cristofolini, presidente da empresa, as estimativas da Pegaki apontam que hoje cerca de 20% das entregas já são retiradas em pontos físicos no Brasil, principalmente em lojas das varejistas que têm também o e-commerce, como Magazine Luiza ou Ponto Frio. Em mercados onde o modelo de entrega em pontos é mais desenvolvido, como nos Estados Unidos, essa margem chega a 40%. “Nosso objetivo é elevar essa margem para algo em torno de 30%. Atualmente temos 100 pontos em São Paulo e Rio de Janeiro e já negociamos a abertura de outros 1.000 pontos de recebimento nessas cidades”, afirma Cristofolini.
Além de pequenos negócios, a Pegaki tem parcerias com redes como as lavanderias 5àsec, os supermercados Carrefour e os hotéis Accor, que já têm algumas unidades cadastradas como pontos para recebimento. Os locais de retirada recebem da Pegaki pelo credenciamento e ganham fluxo de pessoas. Os varejistas de pequeno e médio porte pagam uma taxa média de 2,50 reais por produto para a Pegaki, que cobre o custo de manutenção da compra por 7 dias e também o seguro da mercadoria. As varejistas maiores trabalham junto das transportadoras e têm modelo de contratação negociado por produto, caso a caso.
A Pegaki, criada em Joinville (SC), surgiu inicialmente com a necessidade atender à demanda de um dos sócios, Daniel Frantz, que tinha um e-commerce e muitos problemas para lidar com insucesso de entregas e a logística reversa de devoluções. “Nós começamos a procurar soluções e acabamos vendo várias iniciativas e alternativas para o problema lá fora. Depois a ideia foi crescendo, fomos selecionados pela aceleradora Cotidiano e fizemos uma primeira rodada de captação”, diz.
Sem fricção
Com um ano de operação, a Pegaki ainda não dá lucro, mas cresceu mais do que o esperado na visão dos diretores, principalmente em termos de parcerias: além das redes onde a retirada é feita, a companhia já fechou negócios com a Dafiti, o maior varejo online de moda da América Latina. Entre as transportadoras, já há uma parceria com a Transfolha, empresa de logística e distribuição do Grupo Folha. Outros nomes do varejo digital estão sob análise.
Só com a Dafiti, a estimativa é que sejam entregues 1.000 encomendas por dia nos 13 pontos parceiros escolhidos pela varejista em São Paulo. “Nós identificamos que a entrega e a devolução de produtos eram as partes inconvenientes da experiência do usuário na Dafiti, o que vai de encontro à conveniência que tentamos oferecer. A parceria com a Pegaki foi uma das soluções que encontramos para retirar fricção do processo de compra e torná-lo mais agradável”, afirma Malte Huffmann, vice-presidente de marketing e fundador da Dafiti.
Para Gastão Mattos, fundador da consultoria Gmattos, especializada em negócios digitais e e-commerce, este é um mercado com grande possibilidade de crescimento. “Nos Estados Unidos, o modelo de retirada em pontos faz muito sentido para reduzir os custos de frete. Por aqui nós ainda temos a questão da infraestrutura e da segurança. Há muitos lugares e CEPs onde transportadoras e até os Correios se negam a fazer entregas”, diz. Segundo ele, o custo da “última milha” pode chegar a 15% do valor do produto comprado, o que é bastante em um mercado que trabalha com lucros, muitas vezes, de um dígito. “As limitações logísticas não podem limitar o crescimento do setor”, afirma.
A consolidação de várias entregas em um único ponto diminui entre 5% e 15% o valor gasto com a logística para entregar em vários lugares, de acordo com estimativas da Transfolha — em mercados mais desenvolvidos, a economia pode chegar a 30%. O consumidor não reclama: segundo pesquisa realizada pela transportadora Total Express, do Grupo Abril, em conjunto com a consultoria Wayra, 29% dos entrevistados, todos consumidores finais, gostariam de contar com a opção de retirar suas encomendas em pontos fixos.
Segundo Alexandre Felix, diretor da Transfolha, o modelo de armários, ou lockers, requer um investimento em infraestrutura maior e por isso tem um retorno de longo prazo, enquanto que o modelo da Pegaki, de credenciamento de pontos, tem um investimento menor. “Há uma demanda dos consumidores e nós estávamos de olho nesse tipo de solução há alguns anos, mas somos uma empresa tradicional e é mais difícil implementar inovações. A parceria com a Pegaki foi essencial”, diz.
Ao que tudo indica, o próximo passo do comércio digital é tirar o consumidor de casa.