Nova regra permite que startups financeiras concedam empréstimo a pequenos sem intermédio de bancos
Uma resolução do CMN (Conselho Monetário Nacional) aprovada em abril tem tudo para aquecer ainda mais um mercado que já vinha fazendo a diferença para os pequenos empreendedores: o de microcrédito. A nova regra permite que empresas de tecnologia do setor financeiro, as chamadas fintechs, concedam crédito sem que um banco precise intermediar a operação. Num primeiro momento, a resolução deve reduzir custos e aumentar a concorrência.
Ainda não se sabe exatamente quantas fintechs há no país. Está em curso o primeiro censo do segmento, fruto de parceria da ABFintechs (Associação Brasileira de Fintechs) com a PricewaterhouseCoopers Brasil.
No entanto, a ABFintechs arrisca uma estimativa: a de que suas 350 associadas correspondam a 85% do total. Destas, a associação calcula que 18% trabalhem no segmento de crédito.
As fintechs já atuavam legalmente, mas com regras que não haviam sido criadas especificamente para elas. “Agora será possível operar sob o regimento do Banco Central, o que resultará em maior segurança e credibilidade para as operações”, afirma Stephanie Fleury, diretora da associação.
A fintech Biva concedeu R$ 40 milhões em microcrédito em três anos. O limite dos empréstimos, que no começo era de R$ 50 mil, já subiu para R$ 800 mil. O valor de entrada é de R$ 3.000. A taxa de juros vai de 2% a 5% ao mês para pagamento em até 24 parcelas.
“Expandimos o crédito, mas mantivemos o foco no microempreendedor. Ele deve ter CNPJ e, no mínimo, um ano de atuação”, diz o engenheiro Diego Lissoni, 29 anos, um dos sócios da fintech. Os recursos vêm de investidores, todos pessoas físicas, que podem aplicar o dinheiro em uma única empresa ou em várias agrupadas.
A Biva cobra uma taxa de captação, de 3% a 4% do valor do empréstimo, e dá garantias ao investidor.
“Quando financiamos um empreendimento, informamos a rentabilidade esperada para quem investiu. Se o valor não for atingido, a gente cobre”, afirma Lissoni.
Na análise de crédito, não basta o candidato a empréstimo ter o nome limpo. É preciso, ainda, convencer a fintech de que a empresa é saudável –e que o dinheiro investido vai se converter em lucro rapidamente.
“Priorizamos empréstimos para capital de giro, aquisição de equipamentos ou de estoque e contratação de mão de obra, porque o pagamento das parcelas já começa um mês depois da liberação”, diz Lissoni, da Biva.
Denise Della Nina de Andrade, 38, é dona de uma locadora de brinquedos e equipamentos para bebês, a Okipoki, que passou no crivo da fintech. Em 2016, quando a empresa completou 18 meses de vida, precisou de um empréstimo para renovar o estoque.
“Tentei em banco e não consegui, porque meu faturamento era pequeno, e a burocracia, enorme. Na Biva, não obtive os R$ 10 mil que pedi, apenas R$ 3.000, em 12 vezes. Mas o valor já fez diferença para meu fluxo de caixa”, diz Denise.
Ela já quitou a dívida e planeja bater à porta da fintech de novo. “Vou precisar investir em brinquedos mais caros.”
A plataforma para pagamentos online Mercado Pago entrou em janeiro de 2018 no setor de oferta de crédito com metas agressivas. Em um semestre, foram emprestados mais de R$ 500 milhões.
De acordo com o engenheiro Túlio Oliveira, 37, diretor do Mercado Pago no Brasil, 70% dos clientes são pessoas físicas. “É gente que vende artesanato ou chefia pequenas confecções e processa milhões conosco todos os meses. Muitos deles nem sequer têm conta bancária e mais de 40% nunca conseguiram crédito em bancos”, diz Oliveira.
A taxa de juros vai de 2,5% a 5,5% ao mês, dependendo do perfil. A plataforma não divulga o índice de inadimplência, mas classifica a carteira como “muito saudável”.
“Consultamos dados externos em birôs de crédito, mas também conhecemos o histórico desses clientes. Sabemos qual o volume de pagamentos que ele processa, se tem ponto fixo ou se trabalha como ambulante.”
Os grandes bancos comerciais ainda detêm a maior fatia da carteira de microcrédito. Desde 2003, eles são obrigados por lei a destinar 2% dos saldos dos depósitos à vista em operações de microcrédito.
Em 15 anos, o Santander investiu R$ 5 bilhões no programa Prospera. O valor médio dos empréstimos é de R$ 2.600, mas é possível obter crédito a partir de R$ 500.
Quem contrata o serviço pela primeira vez paga de 2,49% a 4% ao mês e só consegue parcelar o pagamento em quatro vezes. Nos empréstimos seguintes, bons pagadores podem parcelar em até dez vezes, e a taxa de juros cai.
Para o economista Tiago Abate, 37, superintendente do Prospera Santander, a vantagem do programa é garantir acesso a quem sempre atuou à margem do sistema bancário.
Segundo o Banco Central, 81% dos MEIs brasileiros não têm relacionamento com o sistema financeiro formal.
“Nosso cliente é a pessoa física com características de um CNPJ pequeno. Ele não tem holerite nem contador, e a maioria está na informalidade. Ainda assim, a inadimplência é até seis vezes menor que nas carteiras de crédito convencionais”, diz Abate.
Para que esses microempreendedores não precisem bater à porta da agência bancária, o banco vai até eles. Vinculados a 34 filiais do Nordeste, Norte e Sudeste, 400 agentes de crédito percorrem comunidades de baixa renda.
Foi assim que Leonardo da Silva Rocha, 29, descobriu que poderia pedir um empréstimo. Morador de Guaianases, extremo leste de São Paulo, ele tinha aberto a lanchonete Dog Mania, em junho de 2016, e precisava equipar a loja.
“Recebi a visita de uma agente e gostei das condições. Peguei R$ 4.000 para pagar em seis vezes. Comprei estufa, freezer, coifa e chapa, fiz consertos e arrumei a decoração.”
Pago o último boleto, Leonardo partiu para um segundo empréstimo. Viu as melhorias se refletirem em vendas e planeja um terceiro, “depois que pagar a última parcela”.
Fonte: Folha de S.P