Grupo Bittencourt
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Cresce mercado para recrutamento por algoritmo

O uso de algoritmos em processos de recrutamento vem crescendo exponencialmente em todo o mundo e começa a ganhar corpo também no Brasil.

Tecnologias que  combinam inteligência artificial para garimpar candidatos nas primeiras etapas de processos de seleção com grande quantidade de inscritos estão sendo criadas por novas empresas chamadas de “HR Techs”. Aos poucos, elas vêm avançando no mercado e se tornando parceiras de grandes companhias interessadas em testar a  eficácia dessas novas metodologias.
Um levantamento da aceleradora Liga Ventures analisou uma base de mais  de 8 mil startups brasileiras e identificou 122 “HR Techs”, 55 das quais foram fundadas  entre 2015 e 2016. Delas, 22 atuam no segmento de recrutamento e seleção. Um dos motivos que anima a entrada de novos negócios nesse segmento é que ele tem se mostrado bastante lucrativo. Nos EUA, em 2016, essas startups atraíram investimentos da ordem de US$ 836 milhões, segundo o site TeleCrunch.
A Jobzi, fundada há dois anos, que começou atuando como ponte entre vagas abertas e candidatos, a partir deste mês passa a usar seu algoritmo no recrutamento de grandes empresas e quer disputar espaço nesse novo mercado. A fundadora, Paula Guedes, explica que testou sua metodologia com mais de 200 microempresas antes de negociar com companhias de grande porte, como a OLX e a Embraer. “Depois de rastrearmos 225 trilhões de vagas na internet, fizermos um ‘match’ delas com os currículos e chegamos a um sistema de pontuação que mostra o quanto os candidatos estão aptos para determinada posição”, explica.
SelecaoAo aplicar o sistema de pontuação, que está sendo patenteado nos EUA, Paula diz que consegue ajustar melhor as expectativas dos candidatos e das empresas. “Muitas vezes as pessoas se candidatam a vagas que não são adequadas ao seu perfil”, diz. Por outro lado, as companhias muitas vezes buscam atributos que não  ficam explícitos em seus processos seletivos. “As descrições nem sempre estão completas e existem características ocultas que, ao fazermos a comparação com outras vagas semelhantes oferecidas pelo mercado, conseguimos melhorar”, explica.
Ela diz que com essa solução é possível fazer uma triagem de 30 mil currículos de forma mais justa, sem que apareçam critérios que estavam encobertos durante a avaliação. Na equipe da Jobzi estão os professores da PUC-RJ Eduardo Laber e Alexandre Renteria, especializados em “machine learning”, ou o aprendizado de máquinas. “Usamos a estatística para compreender a oferta e a demanda do mercado, e dentro desse mapeamento, aferimos a aderência de uma pessoa à vaga”, diz Paula, que é economista e fez MBA em Wharton.
Na Gupy, fundada em 2015 por duas ex-gerentes do RH da Ambev, a estratégia é estruturar e aproveitar o conhecimento que as empresas adquirem com cada contratação. Mariana Dias, cofundadora e CEO da Gupy  diz que usa o aprendizado de máquina para identificar as características dos profissionais que mais avançam nos processos de seleção e usa essas informações para filtrar candidatos quando uma vaga parecida é aberta. Ao invés de organizar os nomes pela ordem de chegada ou alfabética, o sistema  monta um ranking de quem apresenta mais perfil para a posição, levando em conta os dados do currículo, o resultado de testes e a avaliação dos gestores.
Quanto mais a empresa contrata, mais assertivo fica o algoritmo. A atuação da Gupy é entre companhias de grande e médio porte, pois do contrário a organização não  gera dados suficientes para a máquina “aprender”. “Antigamente as empresas faziam projetos para entender o perfil ideal de candidato, mas isso demorava e durante esse tempo o perfil podia mudar completamente”, diz Mariana. A Gupy recebeu um total de R$ 2 milhões em investimentos, da Wayra, programa de aceleração da Telefônica, e dos fundos Canary e Yellow Ventures, além de ter passado pelo Google Campus e agora estar no inovaBra habitat, espaço para startups do Bradesco.
A Embraer está fazendo o primeiro teste com inteligência artificial no recrutamento do programa de estágio, que pela primeira vez acontece de forma estruturada, segundo o vice-presidente de pessoas da empresa, Carlos Griner. Para buscar estudantes com o perfil desejado, a Embraer selecionou cerca de 15 jovens funcionários considerados “profissionais do futuro” pela organização, com características como comunicação forte, capacidade de trabalhar em equipe, resiliência e inovação. Eles responderam a um teste de perfil comportamental e esses resultados foram inseridos no sistema de seleção da Gupy para alimentar a máquina.
Os 15 mil inscritos no programa até agora responderam a um teste similar, além de provas de inglês e de lógica. A combinação do currículo com esses resultados foi filtrada pelo sistema e os candidatos ranqueados podiam receber um “like” ou a desaprovação dos recrutadores da empresa,  avançando ou descendo na lista. A segunda etapa do processo foi a dinâmica de grupo – as pontuações dessa fase também foram inseridas na máquina para afinar o perfil buscado.
Para Griner, a maior diferença foi a assertividade dos perfis identificados pelo algoritmo, o que tornou o processo mais rápido, passando de meses para cerca de duas  semanas. Outro ponto foi a possibilidade de movimentar menos pessoas para a seleção, já que a maioria dos candidatos escolhidos para as dinâmicas acabaram  sendo aprovados. A intenção da empresa era contratar 150 estudantes na primeira onda do processo, mas o número aumentou para 180, do total de 300 vagas.
Griner percebeu que o processo diminuiu o peso dado ao currículo – por exemplo, um estudante com currículo não tão bem escrito ou que não vem de uma  universidade de primeira linha pode despontar no ranking por ter o perfil desejado pela empresa. “Antes a gente ficava muito preso às melhores escolas”, explica. Ele  quer ampliar o uso da plataforma para contratações de outros níveis, e a empresa está começando a aplicar inteligência artificial nas promoções e transferências internas, usando um sistema da Jobzi. “Nada vai substituir o olho no olho, mas ter uma assertividade tão grande tira o desgaste de rejeitar muita gente e simplifica o processo”, diz.
O uso do algoritmo para selecionar o perfil comportamental, no entanto, encontra resistência. A gerente de aquisição de talentos do e-commerce Dafiti, Mayara Gomes, encara testes psicológicos com ceticismo e considera que a melhor ferramenta para esse fim ainda é a entrevista por competência. “O comportamental é muito difícil de ser avaliado, e existe uma parte psicológica que precisa ser analisada.”
A empresa está começando a usar o serviço da empresa de recrutamento Revelo para tentar preencher quatro vagas das áreas de desenvolvimento e marketing de performance. A Revelo reúne profissionais das áreas de tecnologia e negócios e os filtra com testes técnicos. Dos cerca de 30 mil que se inscrevem todo mês, 5% a 10% são selecionados pelo algoritmo do site. “Os candidatos gostam porque fazem só um processo seletivo e recebem convites, e as empresas têm acesso mais rápido a profissionais”, descreve Lachlan de Crespigny, cofundador da Revelo. Criada em 2014 com o nome de Contratado.me, a empresa recebeu aporte de R$ 14 milhões do fundo ValorCapital no ano passado, após levar R$ 3 milhões do Social Capital e do Graph Ventures em 2015.
As cerca de duas mil empresas que usam a plataforma inserem as características da vaga que querem preencher e a inteligência artificial sugere os candidatos mais adequados com base nos resultados do teste técnico e no currículo. Na medida em que as recomendações resultam em entrevistas ou contratações, a máquina  incorpora esses dados para as novas indicações.
Segundo Crespigny, a avaliação se a pessoa tem o “fit cultural” fica a cargo dos recrutadores que usam a plataforma. Mas certos elementos acabam contando para o algoritmo – alguém com passagem por empresas de alto crescimento, por exemplo, terá mais chance de atuar em uma startup. Até dentro de um mesmo banco de grande porte, explica, o melhor profissional de tecnologia para a área de TI será diferente do desenvolvedor contratado para criar produtos digitais. O algoritmo  identifica essas peculiaridades ao observar o responsável pelo processo na empresa.
Mayara, da Dafiti, conta que a principal diferença é o ganho de tempo, pois a plataforma oferece candidatos com perfil adequado e que já estão abertos a ofertas de emprego. Para ela, isso faz a equipe economizar tempo nos processos seletivos. “O uso de tecnologia tem sido chave para os recrutadores terem uma atuação mais estratégica”, diz. A seleção da Dafiti inclui até cinco entrevistas com chefe, pares e gestores de outras áreas.
Fonte: Valor