Vivemos quase três décadas a mais do que nossos avós, e hoje cinco gerações convivem no ambiente profissional. Nenhuma com o mesmo modo de trabalhar, pensar ou sonhar. Em um mundo ideal, a experiência e o jogo de cintura de quem tem anos de estrada estariam em harmonia com o conhecimento intuitivo e o frescor dos jovens, gerando um produto único, original e poderoso.
Mas como não vivemos no mundo ideal, gestores de pulso firme, com baixa tolerância a erros, passaram a ter dificuldade para mobilizar equipes e precisaram adaptar seu estilo de liderança ara a geração do milênio, menos interessada em hierarquia e rotinas, e mais adeptas a flexibilidade e diálogo. Na era hiperdigital, onde a maior empresa de táxi, o Uber, não tem carro, e a maior rede de hotéis, o Airbnb, não tem cama, o desafio está em encantar clientes e engajar pessoas a colaborar em nome de um propósito. Nesse cenário, a diversidade de idade, olhares e perspectivas nunca foi tão estratégica e a tecnologia tem facilitado a conexão entre diferentes gerações, competências do futuro e formas de pensar.
“Nos Estados Unidos e na Europa, o recrutamento tem sido feito às cegas, sem que o recrutador saiba qual é a idade, o sexo ou a raça do candidato à vaga, para evitar o viés inconsciente de preconceito”, afirma Rosa Alegria, mestre em estudos do futuro e CEO da Pangera, startup que promove relacionamentos intergeracionais para gerar inovação. No Brasil, algumas empresas já adotam a prática.
Nas organizações já é possível ver CEOs na faixa dos 20 anos e o mercado se abrindo para estagiários acima dos 50 ou 60 anos, muitas vezes se preparando para uma nova carreira. “Virtualizamos nossas existências no mundo on-line e nos juntamos muito mais por valores, interesses e conteúdos do que por idades”, diz a executiva, que usa técnicas e ferramentas para promover a integração de talentos nas empresas. Uma de suas vertentes foi a realização de pesquisa qualitativa com 200 pessoas da comunidade on-line de 13 mil integrantes, para desenhar as conexões e semelhanças entre as gerações. Na era da inovação exponencial, a conclusão foi que os veteranos, com mais de 70 anos, os revolucionários “baby boomers”, na faixa dos 63 anos, os ambiciosos da geração X, com 45 anos em média, os livres da geração Y, na faixa dos 30 anos, e os criativos da geração Z, na casa dos 20 anos, têm em comum a preocupação com qualidade de vida e longevidade, diálogo, respeito e segurança, tanto física quanto financeira.
“Para todas as idades, o aprendizado se dá via troca de experiências, e de forma lúdica, o que faz dos jogos e das brincadeiras um elo intergeracional poderoso”, diz Rosa. O estudo constatou que se as gerações próximas têm conflitos, como é o caso de pais e filhos, a maior harmonia se dá ao pular uma geração, como é o caso de netos e avós, ou baby bommers com “millennials”.
Outra conclusão foi a de que a percepção etária parece descolada da idade em si. Quando perguntados sobre quantos anos sentiam ter, todos os pesquisados responderam idades diferentes da real. Alguns disseram que seu sentimento de idade dependia do momento, da companhia e do estado emocional. “Significa que a convivência intergeracional pode tornar múltipla a identidade etária, ou seja, é mais fácil encontrar sinergias e convergências aproximando gerações do que jogar luz sobre o que as separa”, diz Rosa.
Responsável pelas transações de oito portais de comércio eletrônico, entre eles Extra, Ponto Frio e Saraiva, a empresa de tecnologia FCâmara sofreu até descobrir qual o melhor mix de experiências e habilidades para montar seus times de consultores. “O princípio de qualquer negócio é comunicação e relacionamento, mas percebemos que os jovens, que em geral dominam as
tecnologias mais inovadoras, não têm o mesmo talento de comunicação com os clientes que os mais maduros”, conta Fábio Câmara, CEO da empresa.
Segundo ele, a mais nova geração a chegar ao mercado de trabalho, com até 24 anos, não trabalha bem em equipe e tem dificuldade para se relacionar. Para levar ao time noções sobre saber servir e autoconhecimento, nos últimos três anos a empresa de Câmara passou a oferecer aulas de psicologia e filosofia. “Em vez de teoria, chego com provocações para despertar a curiosidade e levar a equipe a fazer uma autoanálise, a estudar e se interessar em rever a si próprio”, explica.
Para ter lugar na era hiperdigital, onde inovar é cada vez mais a condição de sobrevivência, é necessário desenvolver autoconhecimento e habilidade para gerenciar a própria trajetória profissional. Embora tenham crescido com a palavra inovação na ponta da língua, os mais jovens sabem que precisam se reinventar. Em sua pesquisa anual sobre a geração do milênio, a consultoria Deloitte revela que os jovens não se sentem confiantes para as mudanças impulsionadas pela Indústria 4.0, como está sendo chamada a invasão da robótica e da inteligência artificial, que traz mudanças profundas nos relacionamentos com instituições e pessoas.
A pesquisa da Deloitte ouviu mais de 12 mil pessoas das gerações Y e Z em todo o mundo. Revelou que esses profissionais contam com as empresas para ajudá-los a desenvolver atributos e competências necessárias para esse novo mundo, incluindo relacionamento interpessoal. O estudo apontou ainda que boa remuneração e cultura corporativa positiva até podem atrair os jovens,mas as chaves para mantê-los felizes são diversidade, inclusão e flexibilidade.
Se a tecnologia não é mais um marco divisório entre as gerações, é importante lembrar que, pela primeira vez, crianças e adolescentes passam a ter autoridade de conhecimento sobre os adultos. Sabem que têm o que ensinar. A principal mudança da era hiperdigital, portanto, se dá na hierarquia. Do topo da pirâmide administrativa, as decisões passaram a ser tomadas em formatos horizontais, em rede, sem tantas regras. Nesse mundo acelerado, complexo e incerto da era digital, as iniciativas são baseadas na experiência, em testar hipóteses, aprender rapidamente e gerar informação relevante. “É o que se chama de quarta revolução industrial, que está mudando todas as fronteiras da sociedade. Nada está resolvido, nem vai estar. Nesse mundo em alta velocidade, que exige o reaprender constante, o que traz resultados é pensar em pessoas primeiro”, analisa Clarissa Martins, 42 anos, uma das líderes da consultoria global de tecnologia da informação ThoughtWorks (TW).
As empresas que estão na liderança, ela explica, são aquelas que entendem a importância de se reinventar, integrando diferentes competências, trajetórias, vivências e estilos de trabalho ou pensamento. Com escritórios em 15 países e clientes brasileiros como Latam e Globo.com, a consultoria TW aposta na multidisciplinaridade e na diversidade como formas de gerar a combinação desses olhares e ajudar na transformação digital de seus clientes.
Uma ação recente promovida pelo escritório brasileiro foi a campanha “Enegrecer a Tecnologia”, para a contratação de programadores negros, talentos recrutados em Salvador. “O que importa é se a pessoa tem experiência, vivência e bagagem para cuidar de projetos de natureza crítica e resolver problemas complexos para nossos clientes”, diz Clarissa.
Luciano Ramalho já tinha 51 anos quando foi contratado como líder técnico da TW, em final de 2015. Programador com longa trajetória e reputação, ele passou por um processo de seleção composto de várias entrevistas. Uma das provas de fogo foi fazer dupla com um jovem desenvolvedor. “Já era um teste para avaliar minha reação em trabalhar com programadores com menos
idade do que eu”, conta Ramalho.
Pernambucana, mulher e negra, Clarissa é também um retrato da diversidade praticada na ThoughtWorks. “Nossa pauta é de modelos dinâmicos, do futuro do trabalho sem cargos, o que já traz inovação de gênero, raça e orientação sexual. Tudo isso está em nosso radar”, diz Clarissa. Ela explica que a inovação é resultado da junção desses olhares e perspectivas diversas sobre o mercado e as empresas. “Muitas vezes é preciso desconstruir, experimentar novas práticas, envolver pessoas para tomar decisões em conjunto, tudo junto e misturado para ter resultados”, diz. De maneira geral, ela conta, as empresas que estão conseguindo se erguer no tsunami da era hiperdigital são aquelas que não consideram tecnologia como custo. “Tecnologia agora é o negócio”, afirma.
Como fruto da mudança demográfica, mais gente agora começa nova carreira na maturidade, e com isso precisa aprender um novo idioma. “Alguns profissionais foram expelidos do mercado, outros viraram empreendedores ou consultores e chegaram bem qualificados ao “terceiro ato”, como a atriz Jane Fonda chama a terceira idade”, diz Lígia Velozo Crispino, sócia da Companhia de Idiomas. Por isso, ela criou um curso para maiores de 60 anos, com ritmo personalizado, para que o idioma estrangeiro não fosse um empecilho para quem busca uma mudança de vida ou de carreira.
A empresária destaca a importância da flexibilidade para acompanhar as realidades do mercado. “Em 27 anos de empresa, tivemos professor que quando passou da fita cassete para o CD foi um desafio. Hoje temos possibilidades inúmeras de ensinar idiomas com recursos da tecnologia. Se o profissional não acordar, ele permanece na linguagem analógica e fica paratrás”, diz Ligia. Um alerta que vale para todas as idades.
Fonte: Valor Economico