De 10 a 13 de janeiro foi realizada a 99ª Convenção Anual da National Retail Federation (NRF), em Nova York. Trata-se do principal evento de varejo dos EUA e um dos mais relevantes do mundo. A partir dele, é possível consolidar algumas conclusões sobre o momento do varejo norte-americano e captar tendências para o desenvolvimento dos negócios.
Nada será como antes – os EUA passaram por uma crise econômica que afetou o patrimônio e a confiança das famílias, com impacto no consumo e no varejo. As vendas da temporada de Natal foram melhores que as de 2008, porém ainda inferiores a 2007. Existe a percepção de que o “fundo do poço” já foi alcançado e que a economia e o consumo estão em fase de recuperação – lenta e gradual. O desempenho não vem sendo homogêneo: empresas como Walmart, Best Buy, Amazon.com, Dollar General, J.Crew e segmentos como supermercados, lojas de desconto e farmácias vêm apresentando desempenho positivo; enquanto lojas de departamentos, lojas especializadas em moda e redes de luxo sofrem mais intensamente os reflexos da crise. Entretanto, o receio que se manifestava no início de 2009 se confirma. Mesmo com a economia em recuperação, os consumidores não voltarão aos padrões de consumo que vinham caracterizando o mercado norte-americano. Não haverá mais consumismo desenfreado e endividamento irresponsável. Os consumidores vão se tornar mais seletivos, ponderados e orientados a valor. Diante do cenário, há certo consenso de que nos EUA há lojas demais e metragem de vendas excessiva para a demanda ajustada. De outro lado, a internet e os demais canais digitais roubam parcela crescente da demanda, deixando inclusive os shopping centers em dificuldades para receber aluguéis percentuais de transações que são somente retiradas nas lojas. Portanto, haverá necessidade de racionalização do parque de lojas, via fechamento de operações de baixo resultado e revisão de formatos, o que levará tempo.
Prosperar na crise – além do controle de despesas e do fechamento de operações deficitárias, a reação dos varejistas americanos à crise se dá em múltiplas frentes: maior conhecimento do cliente e seus padrões de comportamento; ampliação e investimento em canais digitais; racionalização de sortimento, com redução de variedade; introdução de novas categorias de produtos; ampliação da participação de marcas próprias e produtos exclusivos; melhoria no atendimento e busca de novos mercados. Em relação a esse último ponto, o tamanho e vigor do mercado não permitiu o desenvolvimento de um varejo internacionalizado nos EUA. Em geral, as empresas operam voltadas ao mercado interno e não desenvolveram uma cultura de operação multinacional, limitando-se frequentemente ao vizinho mercado canadense. Análise das 250 maiores empresas varejistas globais, realizada pela Deloitte, mostra que as empresas norte-americanas operam em média em 4,6 países e realizam apenas 13,3% de seu volume de negócios fora dos EUA. Na Europa, a média é de 11,7 países, com 36,2% do volume, sendo que na França a média é de 21,8 países e 41% das vendas fora do país.
Mundo em duas velocidades – o comportamento do varejo brasileiro contrasta com a realidade americana. As vendas acumuladas até novembro cresceram 5,5% em termos reais sobre 2009, sendo o crescimento no mês de novembro de 8,7%. O ano deve fechar com expansão real próxima a 6%, apesar da economia não ter crescido. Além do momento positivo, as perspectivas econômicas e do mercado de consumo no Brasil para os próximos anos são favoráveis. A dinâmica do mercado interno; a expansão do crédito; a ampliação de emprego, renda, massa salarial e mobilidade social; os investimentos em infraestrutura; a recuperação no consumo global de commodities; e, finalmente, os ciclos de investimento ligados a etanol, pré-sal, Copa do Mundo e Olimpíadas colocam o Brasil em posição de destaque no cenário global. É sintomático perceber que o país deixa de ser citado como “um dos Brics” ou como mais um emergente para ganhar status de mercado maduro, estável e com perspectivas e oportunidades. As empresas varejistas americanas se movimentarão com mais apetite em mercados internacionais. A China vem sendo alvo de expansão há alguns anos; o Reino Unido é um tradicional caminho de saída, pela proximidade cultural e pelo idioma. Mas outros mercados de potencial deverão ser alvo de expansão e eventuais aquisições. E isso inclui o Brasil.
*Alberto Serrentino é sócio-sênior da GS&MD – Gouvêa de Souza