Seja para oferecer mais conveniência ou até diminuir a vacância, shoppings abrem espaço para laboratórios ou clínicas
Há quase 25 anos, a incorporadora e administradora de shoppings Multiplan inovou ao lançar um centro médico em um de seus empreendimentos – o BarraShopping, no Rio de Janeiro-, onde circulam mais de 10 mil pessoas a cada dia.
Hoje, ela não é mais a única: além de ter inaugurado mais uma unidade médica em agosto de 2017 dentro do Ribeirão Shopping, em Ribeirão Preto (SP), a iniciativa abriu caminho indiretamente para outras administradoras e empresas da área da saúde atuarem nesses estabelecimentos.
Trata-se de um movimento, embora não seja propriamente uma novidade, que passou a ganhar impulso com a transformação cada vez maior dos shopping centers em um hub de socialização e conveniência. É o que afirma Marcos Hirai, diretor da BG&H Real Estate, braço da GS&MD Gouvêa de Souza especializada no setor.
“Cada vez mais os consumidores conseguem resolver sua vida lá dentro”, diz Hirai. “Então, porque não contar também com serviços médicos?”
Outro fator que impulsiona esse movimenta é a questão da vacância, que se intensificou ainda mais na crise e fez com que muitos varejistas brecassem a expansão dos negócios ou fechassem as portas.
“Os shoppings conciliaram um setor que está crescendo com a falta de lojistas para ocupar espaços vazios”, afirma o consultor, lembrando que, mesmo na crise, a área médica e de farmácias cresceu dois dígitos.
Exemplo disso é o Hospital Cema, que tem nove de suas 10 unidades localizadas em shoppings, e a rede de clínicas populares Dr.Consulta, que conta com 10 das 47 clínicas nesses locais. Ou a megaunidade do laboratório CDB, que fica no Golden Square, em São Bernardo do Campo.
No Cema, que há 40 anos é referência em tratamento de olhos, ouvidos, nariz e garganta no bairro da Mooca (Zona Leste da capital paulista), a ideia foi levar unidades aos cinco cantos da cidade e fora dela. Todas em shoppings e nas imediações de estações de metrô.
A próxima abrirá no Internacional Shopping Guarulhos, em junho, e o projeto prevê a implantação de 20 unidades, no total, dentro de centros de compra.
“Queremos estar cada vez mais próximos de onde o nosso cliente reside ou trabalha, para tornar mais fácil a rotina do atendimento”, diz Albano Luz, gerente de marketing do Grupo INAL, do qual o CEMA faz parte.
Até o Hospital Albert Einstein, que tem um centro de diagnósticos nas dependências do shopping Cidade Jardim, deve abrir mais um no novo Parque da Cidade, o primeiro desenvolvido no conceito Life Center e que tem previsão de inauguração no segundo semestre de 2018.
“É o maior dentro de um shopping center, com 2,5 mil m2, e a grande âncora do empreendimento”, diz Hirai.
O que antes acontecia em meia dúzia de shoppings, segundo o especialista, virou tendência. “Tanto que alguns (como o novo shopping, que fica na Chácara Santo Antônio, na Zona Sul da capital paulista) já são projetados com essa finalidade, com áreas específicas para laboratório e clínicas.”
Fosse outro momento, talvez uma grande rede de varejo tivesse ocupado esses espaços. Mas, na ausência de candidatos, os players da área de saúde têm se tornado cada vez mais uma alternativa às âncoras tradicionais, afirma Hirai.
Ele cita o caso de um único laboratório de shopping que, em média, consegue atrair 3 mil pessoas por dia. Pessoas que ali realizam exames, comem na praça de alimentação, fazem compras ou usam qualquer outro tipo de serviço e entretenimento oferecido no interior do empreendimento em uma única visita.
“É um fenômeno que está se cristalizando, e o shopping que faz essa opção não se arrepende: afinal, é uma forma de trazer fluxo constante de domingo a domingo.”
Hirai lembra ainda que, se nos Estados Unidos o fenômeno já acontece há tempos, por aqui deve se fortalecer ainda mais com o avanço do e-commerce.
“Ele está ‘roubando’ clientes das lojas físicas, e substituir parte dessas âncoras por categorias médicas tem dado resultados muito positivos”.
ATÉ IGREJA ENTRA NO MIX
Se alguns se valem da medicina para dar um empurrão nos negócios, outros apelam para a fé. E alugar espaço para uma igreja evangélica foi a estratégia que o Monte Carmo Shopping, de Betim (MG), usou para driblar uma vacância que batia nos 52% em 2016, conforme noticiado há cerca de 15 dias pelo jornal O Estado de São Paulo.
Inaugurado em meio à crise, em 2014, o shopping abriu as portas com apenas 12 lojas, e chegou a ser considerado o empreendimento com maior espaço vago no país.
Ao ser vendido pelo Grupo Saphyr ao fundo Sodepar, a saída viável para ocupar espaço, após concluir que só o comércio não era suficiente para aumentar o fluxo, foi alugar para a Igreja Batista Lagoinha.
Vizinha ao campus da Faculdade Pitágoras, que acaba de ser inaugurado, e a outros pontos de serviço, como uma unidade dos Correios e uma da Receita Federal, a igreja ajudou a vacância a cair para 15%.
O gerente César Miranda afirmou que a igreja é um case de sucesso, que se converteu em aumento de receita para inúmeras operações do shopping. A inspiração, segundo ele, “foi o modelo dos EUA, que equilibra comércio, entretenimento e serviços.”
Marcos Hirai, da BG&H, diz que o problema de levar uma igreja, seja ela qual for, para o shopping, é que ela pode não agradar quem não é da mesma religião. “É um caso isolado, que tem mais a ver com visão imobiliária”, afirma.
Ele menciona a própria Multiplan, que coloca um centro ecumênico para oração em todos os shoppings do seu portfólio, sem símbolos de religião nenhuma, nem custo para os visitantes.
“A ideia lá é que, dentro do conceito da socialização, o shopping também é um lugar onde se pode ter ligação com a fé”, explica.
Mas o caso de Betim não representa uma tendência como alternativa para outros empreendimentos que estejam em busca de aumento de ocupação e de fluxo de pessoas. “Isso pode rotular, e gerar o efeito oposto”, alerta.
Fonte: Diario do Comércio