Imagine o alto executivo de uma grande corporação apresentar aos membros do conselho administrativo a seguinte proposta: vamos deixar de lado uma estratégia que nos dê o máximo de ganhos, vamos optar por um caminho em que nosso lucro não seja tão elevado quando poderia ser. Até pouco tempo atrás, esse executivo seria mal compreendido e execrado pelo conselho.
Hoje não mais, afirma Subramanian Rangan, professor de estratégia e administração do Insead, uma das mais conceituadas de negócios do mundo. Propostas como essa passaram a ser defensáveis e aplaudidas quando
associadas a um compromisso em prol do progresso social e da melhoria na vida das pessoas. “As empresas têm que integrar a ideia de progresso na sua estratégia, nas suas operações, na sua governança” diz Rangan.
O professor defende em seus artigos, aulas e palestras que é um equívoco achar que as empresas devem se preocupar somente com resultados, enquanto a responsabilidade de pensar o progresso é uma tarefa apenas dos governos. “Se nós não movermos essas duas peças da mesma forma, ou seja, se avançamos no lado do desempenho mas não no do progresso, as pessoas vão deixar de se engajar por resultados.”
Aos 57 anos, esse economista indiano radicado em Fountainebleau, na França, onde está a sede do Insead, é porta-voz de uma corrente de pensamento que cobra de empresários e executivos um papel mais amplo. Um papel que não se restringe à busca por melhores resultados nem defende apenas gastos com projetos sociais e filantropia. É uma integração mais madura desses dois campos.
“Falamos muito sobre inovação e agora é hora de falarmos sobre integração. Inovação está diretamente relacionada a desempenho. E integração está diretamente relacionada a desempenho e progresso”, afirmou Rangan em entrevista ao Valor em rápida viagem ao Brasil na semana passada “Se não eu invento um novo iPhone ou algum dispositivo digital e amanhã tem alguém reclamando de vício digital.” Para ele, inovação não é necessariamente uma benção Rangan participou de um evento na sede da Fundação Dom Cabral (FDC), escola de negócios da qual é membro do conselho curador. A sede da instituição fica em Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte. Antes que seja acusado de utópico, esse PhD em economia política pela Universidade de Harvard esclarece que muitas grandes corporações já abraçaram ou procuram abraçar esse ideário de integração entre desempenho e progresso.
Ele inclui nessa lista a rede de cafeterias Starbucks, a Pepsi, a IBM, a Unilever, a indiana Tata Motors, as empresas de investimento BlackRock e 3G – a última, que tem como um de seus fundadores o bilionário brasileiro Jorge Paulo Lemann – e a Natura. “Desde o início, a Natura sempre buscou integrar performance e progresso”, diz o professor. Rangan gosta também do exemplo da IBM. “A IBM tem o Watson, plataforma de inteligência artificial. Eles tinham a possibilidade de escolher.
Podiam usar inteligência artificial nas finanças ou no negócio de jogos eletrônicos, mas escolheram usar nos serviços de saúde. E essa pode não ser, para eles, a forma mais lucrativa de usar inteligência artificial”, afirma. Isso, lembra ele, em um contexto em que a IBM é submetida a forte pressão nos negócios por concorrentes fortes como Google, Apple e Microsoft. Para o professor indiano, a escolha da IBM por algo talvez menos lucrativo – mas com potencial de melhorar o cotidiano de quem recorre a serviços de saúde – tem um aspecto moral relevante. “Quando você diz: ‘eu poderia ter um desempenho melhor, mas eu me preocupo com progresso e não vou procurar maximizar meus resultados, vou otimizar os resultados, vou ganhar dinheiro, mas quero ter certeza que me relaciono com as pessoas de forma positiva.”
Por algum tempo o Uber, diz ele, serviu como um dos contraexemplos a tudo isso. É uma empresa que fatura alto, mas que criou problemas em diversos países com donos de táxi, órgãos reguladores, foi alvo de críticas dos funcionários e questionada pela forma como as mulheres eram tratadas pelos motoristas. “Isso não é progresso. É um problema de governança. Eles tiveram que mudar as pessoas do conselho, o CEO, a liderança. Talvez a estratégia fosse OK, mas não a operação e a governança”, avalia Rangan. Ele insiste em um ponto: ninguém precisa achar que empresas devem ser braços do Vaticano e empresários e investidores, caridosos bispos de Roma.
É bom que as empresas e investidores sejam orientados pelo critério da eficiência, diz o professor indiano, mas fatalmente eles terão de, ao menos, refletir sobre como podem contribuir para o progresso. “Hoje você vê grandes investidores dizendo para a Apple, por exemplo, que gostariam que fossem instalados alguns controles digitais nos aparelhos que ajudassem as pessoas a não ficarem viciadas na telinha e a ficarem mais atentas em relação a isso”, diz Rangan.
Para pesquisadores do universo da gestão como ele, esse é um caminho sem volta. Não foram só as expectativas da sociedade que mudaram, mas os líderes não estão mais defendendo velhas formas de agir, diz ele. Mesmo a Universidade de Economia de Chicago atualizou suas lentes, afirma Rangan. A escola sempre foi o coração acadêmico do liberalismo econômico. De lá saiu o Nobel de economia Milton Friedman, que pregou que o que realmente importava eram negócios, negócios e mais negócios. Rangan conta que há dois anos houve um debate sobre as teses dominantes “da velha escola de Chicago” e sobre o que seria a nova escola. E qual a conclusão? “A velha Chicago não é sustentável mas, acima de tudo, não é mais desejável.”
Essa mudança clara e abrangente de demandas e valores que influencia o pensamento de empresários, acadêmicos e da sociedade em geral, pode ser traduzida em uma brincadeira que Rangan faz a alguns anos com seus alunos. Para capturar a atenção de sua audiência, o professor recorreu à saga Guerra nas Estrelas. Passou a defender uma globalização ao estilo “Jedi”, ordem de personagens guardiões que dominam o “lado luz” da força. Na adaptação de Rangan, o “J” é de justiça. A ideia é que se não houver justiça o conceito de livre mercado não faz sentido. “Não julgamos sociedades pela eficiência, e sim pelo quão justas elas são”, argumenta ele.
O “E” é de eficiência, que continua sendo um elemento crucial para bons resultados. O “D” é de diversidade de pensamento, linguística e cultural, características que abrem portas para que as empresas tenham à disposição
mais ideias e soluções para seus desafios. E por fim o “I”: integridade, um conceito que conta muito para instituições. Você confia em uma instituição apenas porque ela é considerada eficiente? A resposta é não, diz Rangan.
Acostumado ao contato com empresários e executivos de grandes e médias empresas – seja nas salas de aula do Insead ou da FDC, onde é professor associado -, Rangan diz ver um futuro promissor. Acredita que há uma
mudança de compromissos e de compreensão pelo mundo. Na FDC, o pensamento do professor indiano inspirou o programa CEO Legacy, que reúne presidentes de empresas para discutir ideias e projetos de impacto social.
“Eu sou muito otimista, com certeza”, diz ele, que atribui a escolas de negócios um papel chave para tornar homens e mulheres de negócios em “agentes de mudança”. “Em vez de criar regulamentação e de impor limites
para o poder, temos de educar o poder”, afirma. “Regulamentação é necessária, mas está longe de ser suficiente. Educação funciona.”