A mistura de e-commerce com lojas físicas, aliada à relação direta com a consumidora, cria um modelo futurístico para a moda brasileira
Ao comprar roupas em uma das 13 lojas físicas da Amaro, você pode ter uma surpresa: os computadores não estão lá apenas para mostrar o estoque, mas também para fazer as vezes dos caixas, substituídos por transações online. Uma dica para sua próxima visita é sacar o celular, abrir o aplicativo da Amaro e escanear a peça desejada – ela entrará automaticamente no carrinho de compras. E, se você achou a roupa ideal, não pense que é obra do destino.
A marca, inaugurada em 2012 como comércio eletrônico, colhe os frutos de sua estratégia de unir as roupas aos smartphones e apostar em vendas multicanais: o faturamento dobrou em 2017, e para 2018 espera repetir a proporção. Com 330 funcionários, a empresa desenha 10 mil produtos por ano e acumula 350 mil seguidores na rede social Instagram, sua principal plataforma de marketing.
A Amaro é um dos expoentes brasileiros da influência da tecnologia na moda. O setor, que gera 2,4 trilhões de reais no mundo todo, já é palco de muitas inovações. Empresas de tecnologia, como Amazon e Google, montam iniciativas para entender o comportamento dos consumidores e prever tendências de estilo. Marcas tradicionais do ramo da moda, como Adidas, Gap e Tommy Hilfiger, também abraçam a tecnologia de impressão 3D, realidade aumentada e inteligência artificial, respectivamente. Já no caso da Amaro, o poder está na palma das mãos das suas clientes o dia inteiro.
Direto com a consumidora
Há uns tempos, ser uma marca “direto ao consumidor”, ou D2C, significava anunciar seus produtos de fabricação e entrega próprios em catálogos ou em canais de televisão específicos. Com a democratização do acesso à internet, tudo ficou mais fácil: basta ter uma forte estratégia de marketing e oferecer uma boa experiência de e-commerce, da logística rápida à embalagem única.
Marcas americanas como Warby Parky (de óculos), Bonobos (de roupa masculina) e Casper (de colchões) criaram modelos sustentáveis de negócio D2C. No caso da Amaro, optar por um caminho similar foi a estratégia ideal para reduzir o markup (índice multiplicador do custo para determinar o preço ideal de venda de um produto).
Atuar no modelo tradicional adiciona o custo de comissionar empresas parceiras, das indústrias de costura até revendedoras multimarcas. Existe a necessidade de fazer anúncios nesses estabelecimentos e o perigo que produzir estoque de mais ou de menos, já que a empresa original não possui acesso a quem exatamente comprou sua roupa e qual a avaliação que ela tem de sua marca.
“Em marcas de luxo, como Animale, Le Lis Blanc e Shoulder, o markup vai de cinco a oito [vezes sobre o valor do custo]. O nosso é bem mais baixo, por repassarmos eficiência ao cliente. Temos um preço parecido ao da Zara”, afirma Dominique Oliver, CEO da Amaro.
O suíço trabalhou em um banco de investimentos que fazia operações de aquisição, fusão e reestruturação em varejistas de moda. Lá, viu empresas com problemas de eficiência – e aprendeu o que não fazer nesse mercado.
Oliver queria fundar um negócio completamente online, como Dafiti e Netshoes, mas que tivesse também produtos inovadores e de fabricação própria. Também fazem parte do negócio os sócios Ludovico Brioschi (na área de operação e SAC) e Roberto Thiele (na área de engenharia e desenvolvimento).
Outro pró visto no modelo D2C é o de logística. Por meio de uma transportadora própria, a Amaro conseguiu seu primeiro diferencial de mercado: lançar peças atualizadas com as últimas novidades e que poderiam ser entregues rapidamente. Na cidade de São Paulo, sede da empresa, as encomendas são entregues em até 2h30. Para o resto do Brasil, a entrega demora um dia útil.
Além de cortar os custos, ter um comércio eletrônico vertical (responsável por desde a fabricação até a entrega) apresenta mais benefícios. Assegurar-se da qualidade dos produtos e dominar a cadeia de comunicação, marketing e vendas significa falar diretamente com consumidores engajados – e coletar seus dados.
Fashion week com dados
A Amaro usa as informações coletas nas redes sociais e nas transações digitais em todos os seus processos.
Os históricos de compras são usados para fazer uma análise preditiva de quais peças farão ou não mais sucesso, por meio de algoritmos e big data. A produção é ajustada para evitar, a todo custo, sobras no estoque – além de criar peças com estilo, cor e tamanho mais desejados pelas consumidoras.
Enquanto marcas tradicionais trabalham em coleções elaboradas de 9 a 16 meses antes do lançamento, justamente para terem tempo de garimpar ideias e elaborar modelos, a Amaro usa o fluxo constante de informações para lançar itens a todo momento.
Na empresa, o tempo estimado é de 8 a 12 semanas, da ideação à colocação nas prateleiras de acessórios, calçados, lingerie, roupas, roupas de praia e roupas esportivas. Esse processo envolve o desenho das peças; modelagem e boa parte da produção; logística; engenharia de dados; e marketing.
Além da fabricação, a informação das consumidoras também é fundamental na hora de customizar a comunicação das redes sociais.
O trabalho comum das marcas de moda é estudar as tendências internacionais, das passarelas da Fashion Week até as influenciadoras de maior sucesso. A Amaro, porém, adiciona características regionais e do próprio usuário para montar posts personalizados em redes como o Instagram. Vale desde o frio que a cidade de São Paulo enfrenta até as melhores peças para o signo de Virgem para fazer a comunicação mais natural possível.
“Temos uma oferta assertiva de itens, por meio da inteligência de dados. Produzimos algo exatamente de acordo com a demanda”, afirma Oliver.
A Amaro resolveu, em 2015, investir em lojas físicas – o que não significou abrir mão de sua estratégia. Já existem 13 das chamadas Guide Shops em cidades como Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo. Nelas, as consumidoras podem ter a experiência de provar as peças e já levá-las para casa (algo que muitas ainda procuram quando se fala em vestuário). O pagamento, porém, continua sendo feito pelo aplicativo ou pelo e-commerce, com computadores instalados na própria loja.
A experiência é física, a transação é digital. Quem usa aplicativos como o Uber deve reconhecer tal processo.
“Temos que ir ao offline para atrair as consumidores para o online. As Guide Shops resolvem as perguntas comuns da primeira compra e dão credibilidade a uma marca nova. As empresas que nasceram sem base tecnológica continuam a enxergar o físico e o digital como áreas separadas, quando deveriam ser canais complementares das mesmas vendas.”
Hoje, uma em cada três compras da marca são feitas nas Guide Shops. As lojas foram responsáveis por um aumento de 43% no LTV – uma métrica comum ao mundo das startups, que significa o faturamento que o cliente gera durante seu relacionamento com a empresa. O custo de aquisição por cliente, ou CAC, também diminuiu por conta do maior reconhecimento da marca.
Cerca de 60% dos usuários totais da Amaro pagam pelo aplicativo – estatística impulsionada inclusive pela loja física, com o recurso de scanear o QR Code das peças e adicioná-las automaticamente ao carrinho virtual.
Neste ano, a marca quer dobrar seu faturamento e inaugurar uma Guide Shop em Belo Horizonte. A razão para escolher a cidade? Dados. “Vimos o comportamento nos nossos canais digitais e os CEPs de lá estão comprando bastante. Vamos lá avaliar a oportunidade”, diz o CEO.
Se estiver olhando a vitrine dessa loja, cuidado: você pode ver aquela peça que havia desejado há muito tempo. Agora, já saberá que não é por acaso.
Fonte: Exame.com